IX - A Águia
Falar com as nuvens que só têm segredos,
Falar com os astros que só têm mistérios,
— Foi sempre, águia sublime, o teu portento,
Mas dar às almas fortes novas forças,
Mais anelos, mais vida, mais grandezas,
Eis teu brilho supremo. Sempre altiva,
Pode nos corações novos abismos
Cavar terríveis, grandiosos, santos,
Tua vida selvage' impregnada
De etérea embriaguez. De sobre o cimo
Do monte alcantilado, onde repousas,
Nutre o teu pensamento enfastiado
Sede de ver o sol. Podes fitá-lo,
Podes beber mais brilho, e novos ímpetos
Sentir teu peito de heroísmos cheio.
Sim: dá-nos este exemplo: com fulgores
Nutrir a alma que definha e se aniquila
Tragada do negror que a sorte aninha.
Te insulta a tempestade; e arde a luta
Em que entras como atleta sobranceiro,
Mostrando na asa o teu problema escrito,
E nas garras o enigma da vida!
(...)
Poema integrante da série Parte Segunda: A Natureza.
In: ROMERO, Sílvio. Cantos do fim do século, 1869/1873. Rio de Janeiro: Tip. Fluminense, 1878
X - A Serpe
I
Passa, meu condenado, a tarde é linda,
O céu é pensativo; para ver-te
Ei-lo que se ilumina; quer fazer-te
Um sinal como atento; mas por quê?
É que dás um exemplo majestoso
De galé resignado, indiferente
Às auras, que te embalam docemente,
E à nuvem, que é vaidosa, e que o não crê.
Passa, meu condenado; a moita é fresca.
Copada e perfumosa; vai, te esconde
Pois, já que tudo exulta, lá por onde
A flor agreste oculta se retrai.
O mundo folga e ri-se... é magnífico!
Mas tu sereno, impávido te mostras;
Nunca desces, medroso, nem te prostras...
Estupendo parece quem não cai!
Oculta lá na treva escura e densa
A serpe cala as queixas, e proscrita,
Tranquila, esquece a cólera, que agita
Muita rábida insânia do furor.
Vê por entre a folhage', a imensidade;
Estupefata tem ímpetos de amá-la...
Tão pequena que é!... mas como exala
Tanta desgraça cheia de fulgor!
Gosta da luz, mas compreende a sombra.
Da altivez é fanática; desdenha
A fera, que arrogante se desenha
A seus olhos, frenética de si.
Miserável, que sofre a exuberância
Da desdita cruel; mas não ostenta
Mentida superfluidade opulenta
Lá de íntimo sossego... Por aí —
Pela selva sombria odeia o pássaro,
O frívolo que canta e não medita,
E a flor que se intumesce, e que se agita
A cada rir do vento que passou.
Ignóbil, parece uma blasfêmia
Da natureza enraivada, a ironia
Que a terra arroja aos céus! E quem diria
Que fel de gênio atroz a formulou?!
(...)
Poema integrante da série Parte Segunda: A Natureza.
in: ROMERO, Sílvio. Cantos do fim do século, 1869/1873. Rio de Janeiro: Tip. Fluminense, 1878
Batatinha quando nasce
Batatinha quando nasce
Deita rama pelo chão;
Mulatinha quando deita
Bota a mão no coração.
In: ROMERO, Sílvio. Folclore brasileiro: cantos populares do Brasil. Pref. Luís da Câmara Cascudo. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1985. p.247. (Reconquista do Brasil. Nova série, 86
ABC do Lavrador
(Ceará)
Agora quero tratar,
Segundo tenho patente,
A vida de lavrador
No passado e no presente.
Bem queria ter ciência,
Dizer por linhas direitas,
Para agora explicar
Uma idéia bem perfeita.
Cuidados tenho da noite,
De madrugada levanto,
De manhã vou para a roça
A correr todos os cantos.
Domingos e dias santos
Todos vão espairecer,
Eu me acho tão moído,
Que não me posso mexer.
Estando desta sorte
Não é possível calçar,
Os pés inchados de espinhos,
E de todo o dia andar.
Feliz de quem não tem
Esta vida laboriosa,
Não vive tão fatigado,
Como eu me acho agora.
Grande tristeza padece
Todo aquele lavrador,
Quando perde o legume todo
Porque o inverno escasseou.
He possível aturar
Até a idade de cinquenta,
Quando se chega aos quarenta,
Já parece ter oitenta.
Lavradores briosos
Consideram no futuro,
Não tomam dinheiro sem ver
Os seus legumes seguros.
Muitos não têm recursos,
Não sabem o que hão de fazer,
Não temem a percentage,
Querem achar quem dê.
Não queira ser lavrador
Quem tiver outra profissão,
É a vida mais amarga
Deus deixou aos filhos de Adão.
Pois quando se colhe
Os legumes de um ano,
Ainda se não acaba,
Nova roça começando.
Quase sempre os lavradores
De cana, café, cacau,
Têm feitores de campo
Para não passar tão mal.
Razão eles têm
Para ter contentamento,
Quem trabalha no campo
É quem padece o tormento.
Souberam as câmaras criar
Ministros pra proteger,
Nesta terra não tem um banco
Que a ela possa favorecer.
Terra pobre como esta
Ninguém pode dar impulso,
Sem banco, sem proteção,
Fora de todo o recurso!
Vive sempre isolado
Metido nas espessuras
Com a memória no passado,
O futuro sem venturas.
Xoram todos a sua sorte,
Faz pena ver os lamentos,
De pedir dinheiro a rebate,
Por não acharem por centos.
Zombem, façam caçoada
Da vida do lavrador,
Considerem no futuro,
A sorte a Parca cortou.
O til por ser do fim,
Sempre dá uma esperança,
Na consolação dos afetos
Até chegar a bonança.
In: ROMERO, Sílvio. Folclore brasileiro: cantos populares do Brasil. Pref. Luís da Câmara Cascudo. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1985. p.105-106. (Reconquista do Brasil. Nova série, 86
Cachorrinho está latindo
Cachorrinho está latindo
Lá no fundo do quintal;
Cala a boca, cachorrinho,
Deixa meu amor chegar!
In: ROMERO, Sílvio. Folclore brasileiro: cantos populares do Brasil. Pref. Luís da Câmara Cascudo. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1985. p.267. (Reconquista do Brasil. Nova série, 86